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O próximo passo na empresa familiar

Por Priscilla Mello*

Na próxima vez que seus pais lhes falarem que eles começaram do zero, diga a eles que tiveram muita sorte. E que você, como filho, não a teve. Já nasceu tendo que continuar o que ele construiu sem a chance de começar do zero e aprender passo a passo, como ele, que trilharam seus caminhos desde o início.’

Para muitos, é confortante pensar que os herdeiros nascidos com o futuro pré-determinado pelos negócios da família levam vantagem, mas não é nada fácil nascer com um futuro praticamente construído, o que não se imagina, é que é exatamente aí que a história começa. O futuro e a continuidade dos negócios estão nas mãos da próxima geração que devem estar comprometidas com a perpetuação do patrimônio, mesmo que esteja respaldado pela Governança Familiar. Se o herdeiro não se preparar para lidar com o patrimônio que um dia pode ser dele, com certeza terá dificuldades.

E é exatamente por isso que a estatística de empresas familiares que sobrevivem de uma geração para outra são tão baixas, pela falta de preparo de pais e filhos para lidarem com a questão da transição e pela dificuldade inerente ao ser humano de aprender a se comunicar, a dialogar e expor suas idéias.

A comunicação entre pais e filhos já é um tema complexo, some a isso o fato de trabalharem juntos. Ora, é comum a existência de conflitos. Isso porque o pai desenvolveu o negócio, passou por várias dificuldades até consolidá-lo e, muitas vezes, não teve sequer a chance de estudar como gostaria, pois muito cedo começou a trabalhar e investir no seu negócio.

O filho por sua vez, foi criado por um pai que em razão de seu passado difícil, proporcionou toda formação que em seu tempo não foi possível. Caso esse filho opte em trabalhar na empresa, vem carregado de ideias, que o pai muitas vezes desqualifica sem dar muitas explicações, seja porque parte delas já foi testada ou ainda por receio de arrojar. O fundador tem a experiência e o sucesso na sua conta, enquanto o filho chega com a visão do exterior agregada a muita teoria, porém ainda sem colocá-las em prática. Surgem então os primeiros conflitos que, se não trabalhados podem causar um grande desconforto familiar no presente e no futuro das relações de negócios.

Antes de dar continuidade ao sonho do pai, é importante descobrir qual o sonho desse filho, para que então possam integrá-los, caso haja compatibilidade, sob pena de se instalar o conflito multi-geracional (entre a primeira geração, a do fundador e a segunda, a do filho).

Historicamente, a sucessão de gerações vem marcada quase sempre por um conflito entre seus membros. Em todas surge a figura de um pai, em nome do qual a ordem social é estabelecida; a ele cabe julgar, impor, ser o guardião das leis que ele próprio estabeleceu. As relações assim colocadas são “relações de poder ou de dominação”, sempre conflituosas.

O idoso é o símbolo e senhor, o artesão da ordem. A primazia dada a ele visa legitimar uma sociedade patriarcal, autoritária, hierarquizada e centralizadora, não só pelas leis criadas, como por toda a ideologia vigente. A relação entre a geração jovem versus a geração idosa se baseia numa divisão que hierarquiza e opõe.

As gerações são mais que cortes demográficos, envolvem as relações sociais e, entre elas, as familiares, que implicam estilos de vida, valores morais e culturais.

Sempre é tempo de aprender. Conviver com outras gerações é também uma forma de educação, é co-educação, que supõe convívio de gerações em movimento, legados que se renovam numa alternância em que os sujeitos se refazem e se reconstituem mutuamente. Idosos, jovens e adultos interagem na vida em comum e se modificam reciprocamente. É uma possibilidade que se inaugura a partir da coexistência de gerações, numa dada situação social. Porém, só coexistir não garante um convívio estreito, respeitador das diferenças entre as gerações, porque a coexistência pode ajudar a elucidar ou a ratificar tanto uma possível consciência de união quanto de oposição entre as gerações.

Desta forma é de suma importância que pais e filhos se prontifiquem a aprender juntos a sua forma de perpetuar, tanto a família quanto os negócios. Este é um aprendizado que não se pode conseguir sem a anuência de ambas as gerações, pois é um aprendizado conjunto.


* Priscilla Mello, Sócia-fundadora da Defamilia e coordenadora de grupo de presidentes da Vistage Brasil “Better Liders, Decisions Result”, membro da quarta geração de calçados Samello. Membro do FBN – Family Business Network, Especializada em Planejamento Estratégico por Berkeley e MBA em Gestão Empresarial pelo ITA/ESPM, Mediadora pelo Instituto Familie e Graduada em Coach de Executivos pelo ICI Integrated Coaching Institute.

O que aprendi lá em casa?

Por Carla Bottino

Muito tem se falado sobre os herdeiros – quem é herdeiro? quem vai herdar o que? quanto do negócio cada um dos herdeiros deve receber? mas quase não se fala sobre o que pode ser considerado a principal herança – os valores da famílias! O que aprendi lá em casa?

Os filhos são herdeiros, sobretudo, dos valores que são transmitidos na família, de uma geração para outra. Geralmente os valores são transmitidos através das nossas atitudes e nem percebemos … Como assim, será que transmito mensagens diferentes daquelas que eu gostaria! Meus filhos herdarão o que eu não gostaria que eles herdassem?”

Vou explicar melhor, com alguns casos:

Em uma família de classe média, os pais sempre trabalharam, trabalhavam muitas horas por dia, sete dias por semana e tudo o que conseguiram foi com muito sacrifício e viviam na maior insegurança. Com todo esforço e dedicação, proporcionaram uma excelente educação (boas escolas, faculdade e até pós-graduação) aos seus filhos. Esses pais transmitiram a idéia de que “é importante trabalhar duro para colher bons frutos” e no fundo, eles gostariam que seus filhos tivessem uma vida mais estável, segura, sem os altos e baixos de ter um próprio negócio. Talvez eles (os pais) se sentiriam mais confortáveis se seus filhos fizessem um concurso público.

Um outro caso, uma família, também de classe média, em que os filhos não querem trabalhar na empresa do pai. É bastante compreensível a decisão desses filhos que cresceram ouvindo o pai falar das dificuldades de ser empresário. Se o pai chega em casa cansado, chateado e frequentemente diz que “esse negócio só me dá dor de cabeça” “faz o cabelo cair” ou “faz nascer mais cabelos branco”, saudável é o filho que deseja um caminho diferente!

Um outro caso interessante era de uma família em que o único filho homem, quem, na imaginação dos pais, deveria dar continuidade aos negócios da família, optou por abrir um novo negócio. Nessa família o valor estava em abrir um caminho novo, descobrir um novo negócio e começar do zero.

Quais são os valores da sua família? Quais são os valores que você gostaria de transmitir para os seus filhos? Os valores que aprendemos em casa são os norteadores das nossas ações, são as nossas crenças e premissas a partir das quais fazemos as nossas escolhas.

Vale a pena dedicar algum tempo para pensar no assunto e, ainda, fazer desse tema um assunto de família. 

Se tudo der errado, tem a empresa da família

Por Carla Bottino

Para muitos jovens trabalhar na empresa da família não é uma prioridade, mas uma saída para quando tudo parece estar dando errado.

É isso mesmo! Infelizmente, para muitos jovens a empresa da família é uma alternativa para quando todas as outras não derem certo. Em recente pesquisa com universitários pude observar que trabalhar na empresa da família não é um desejo, um sonho e sim a salvação. Tenho algumas hipóteses, mas ainda não tenho uma explicação para isso e, talvez não exista uma única razão, mas um conjunto de fatores de colaboram com essa situação:

– as empresas familiares, ainda hoje, são vistas como micro e pequenas empresas, “cabides de empregos”, empresas pouco profissionais, fadadas ao fracasso e que por isso não trarão possibilidade de crescimento profissional;

– a grande maioria dos cursos de administração de empresas forma profissionais para trabalhar em grandes empresas;

– trabalhar na empresa da família pode passar a idéia de que a pessoa não foi capaz de encontrar um emprego em qualquer outra empresa e por isso foi trabalhar com os pais.

– a imagem do profissional bem-sucedido ainda é a do executivo de uma grande empresa, bastante atarefado, conectado 24hs por dia com o seu celular de ultima geração, que viaja muito e quase não tem tempo para a família.

O jovem entra para a universidade com o sonho de ser bem-sucedido; Ele imagina que vai estudar, talvez ele faça um MBA, e vai ser disputado pelo mercado de trabalho. Com a quantidade de profissionais cada vez mais qualificados disponíveis não são todos os que vão conseguir um emprego que lhes remunere de forma adequada para garantir o mesmo padrão de vida que têm com a família. Diante de um cenário nebuloso e de todas as incertezas que surgem com ele, a única saída parece ser trabalhar com a família. O mais curioso de tudo isso é que deveria ser exatamente o oposto – minha família tem uma empresa com a qual eu posso colaborar e por isso vou me preparar da melhor maneira possível para aumentar, de forma significativa, os resultados.

Você contrataria alguém sem a qualificação, sem a preparação necessária para ocupar um cargo na sua empresa? Provavelmente a resposta será um Não cheio de certeza mas, se esse alguém é um filho, a certeza muda de lugar e sua resposta seria “tenho certeza de que ele poderá aprender e fazer um bom trabalho”.

Não estou questionando o que muitas famílias fazem, mas quero ressaltar a importância do diálogo entre pais e filhos desde muito cedo já que a preparação adequada dos herdeiros e, principalmente a do sucessor, é um dos fatores críticos para o sucesso e continuidade das empresas familiares e, como toda preparação leva tempo.